Imunidade das Vacinas: Anticorpos contra Covid-19

Por Patrícia Machado Pinto 17/06/2021

Na iminência de uma terceira onda de COVID-19, muitas dúvidas estão surgindo em relação à imunidade. O espectro clínico desta doença varia de assintomático até formas de pneumonia grave, síndrome de dificuldade respiratória, choque séptico e morte. A interrupção da transmissão da doença acontece quando uma porcentagem suficiente da população está imune contra o vírus, reduzindo a circulação desse agente patogênico na comunidade. A imunidade, seja ela adquirida através da vacinação ou naturalmente (resultado da infecção pelo vírus), envolve não só processos inflamatórios e liberação de mediadores químicos, mas também as linhas primárias de defesa. A imunidade adquirida apresenta especificidade para os antígenos e memória imunológica. Tal especificidade é exercida pelos anticorpos e células programadas para combater antígenos específicos (linfócitos T citotóxicos).

O que são anticorpos e como atuariam na nossa defesa? 

Os anticorpos são grupos de proteínas geradas pelas células de defesa do nosso corpo contra agentes invasores. São glicoproteínas produzidas pelos linfócitos B, linhagens de células do grupo dos leucócitos, que quando estimulados pelo sistema imunológico, se diferenciam em plasmócitos. Esses anticorpos reforçam a nossa imunidade, sendo os principais elementos da resposta dita humoral.

Os exames sorológicos para COVID-19 são testes que detectam no sangue do indivíduo a presença de algumas classes de anticorpos contra proteínas do vírus SARS-CoV-2. Estas classes são os chamados isotipos, que são diferentes tipos de anticorpos produzidos em sítios e momentos diferentes no curso da infecção (IgA, IgM, IgG).

Existem diversos tipos de testes sorológicos para COVID-19, como o Teste Imunoenzimático ELISA (do inglês Enzyme Liked Immunosorbent Assay) e o Teste Rápido (cromatográfico). A presença desses anticorpos não significa proteção contra infecção ou doença em curso, apenas uma evidência de exposição ao SARS-CoV-2 por infecção natural ou pós-vacina. Embora os correlatos imunológicos de proteção não sejam totalmente compreendidos, as evidências indicam que o desenvolvimento de anticorpos após a infecção provavelmente confere algum grau de imunidade a uma nova infecção por pelo menos 6 meses. No entanto, não se sabe até que ponto as variantes virais emergentes seriam suscetíveis à imunidade por uma infecção prévia. 

Quando falamos na imunologia clássica podemos dizer que a IgM é uma resposta imunológica primária, sendo a primeira barreira de defesa humoral, para tentar combater as infecções tanto bacterianas quanto virais. Quando ocorre a produção de IgG podemos dizer que nós temos uma soroconversão, pois ela ocorre na fase mais tardia de uma infecção, o que chamamos de mudança de classe de anticorpos, sendo responsável por gerar uma memória imunológica, significando que o paciente já iniciou uma defesa mais duradoura e robusta. Na infecção por SARS-CoV-2 podemos encontrar simultaneamente esses 2 isotipos de anticorpos, IgG e IgM, na corrente sanguínea. O fato de a resposta imunológica estar induzindo as duas classes ao mesmo tempo é excepcional e intriga a comunidade científica, por colocar dúvidas sobre a durabilidade, eficiência e consistência da memória imunológica. 

Estudos de SARS-Cov-2 realizados pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG), em Minas Gerais, identificaram a presença de anticorpos para a COVID-19 em bebês recém-nascidos. A pesquisa indicou que a maioria das mães que testou positivo para o coronavírus durante a gestação pode passar anticorpos para os bebês. Porém, como uma das características da IgG é ser capaz de atravessar a placenta e atingir o feto, esse achado não é uma particularidade do SARS-CoV-2, pois podemos encontrar evidência de imunidade passiva por IgG transplacentária em outras doenças.

Essa imunidade não perdura ao longo do tempo e a vida útil desses anticorpos decai até desaparecer, já que os bebês ainda não têm capacidade de produzir anticorpos, e as células produtoras desses anticorpos, os linfócitos B, estão na corrente sanguínea da mãe. Estudos avaliam a atuação desses anticorpos nos bebês, se eles impedem a infecção pelo SARS-CoV-2, o surgimento de sintomas e se irão desenvolver sequelas da doença, por exemplo. Do mesmo modo, estudos indicam que mães imunizadas com vacinas contra COVID-19, produzem leite com anticorpos contra o coronavírus e quanto maior o tempo de amamentação maior é a transferência de imunidade passiva e maior a estimulação dessa defesa no bebê. 

Essa situação nos remete à diferença entre soro e vacina. A vacina estimula a produção de anticorpos e o soro já contém os anticorpos prontos. 

Por estarmos vivendo um momento pandêmico, mulheres grávidas estão sendo acompanhadas pelo sistema de saúde tanto na vacinação quanto no desenvolvimento embrionário, e os médicos têm solicitado testes sorológicos para identificar se os bebês recém-nascidos apresentam esses anticorpos. Os exames podem ser o teste rápido ou ELISA, e estão sendo incluídos no Teste do Pezinho dos recém-nascidos.

Algumas dúvidas vêm surgindo em relação à diferença entre os testes sorológicos que detectam o IgM/IgG e os testes de anticorpos neutralizantes totais. A sorologia convencional detecta a presença de anticorpos contra diversos componentes do vírus, mas não verifica a sua capacidade de neutralização viral. No entanto, ambos têm a capacidade de mostrar se uma pessoa já foi infectada (infecção natural ou vacinação contra COVID-19) ou não com o SARS-CoV-2. Os testes sorológicos são indicados a partir do 14º dia de sintomas ou após contato com o vírus, já a sorologia de anticorpos neutralizantes verifica a presença de anticorpos com capacidade de neutralizar o SARS-CoV-2, isto é, impedem o acoplamento do domínio de ligação do receptor RDB (receptor-binding domain) da subunidade S1 da proteína Spike do SARS-CoV-2, à enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2), o receptor celular do vírus. Esses anticorpos inibem a ação do vírus porque impedem a sua replicação. Esse teste é indicado após o 21º de sintomas ou contato com o vírus. Até o momento não há dados sobre a correlação deste teste com a eficácia das vacinas em uso no Brasil.

Alguns estudos prévios enfatizaram o papel dos anticorpos neutralizantes nos desfechos clínicos de pacientes com COVID-19. O plasma de pessoas que se recuperaram da doença pode conter anticorpos contra o vírus, tornando seu uso eficaz contra a infecção para outros pacientes. A transfusão de produtos com altos títulos de anticorpos neutralizantes foi associada a reduções de ventilação mecânica. Por outro lado, a produção de anticorpos neutralizantes pelo próprio paciente não alterou as necessidades ventilatórias. Apesar das limitações relacionadas à natureza desses estudos com SARS-CoV-2, os achados reforçam a hipótese de que a transfusão de plasma convalescente de altos títulos pode beneficiar pacientes que evoluem com as formas graves da doença.

Os testes de anticorpos podem ser uma ferramenta útil de saúde pública à medida que programas de vacinação são implementados. Contudo, para que uma doença consiga atingir um estado de imunidade coletiva é necessário que uma porcentagem significativa da população esteja vacinada, de forma a conseguir diminuir ou interromper o contágio. A vacinação em massa da população é uma das formas de adquirir imunidade coletiva ou imunidade indireta.

A vacinação é um dos maiores sucessos de Saúde Pública, constituindo uma forma simples, eficaz e segura de nos proteger contra doenças potencialmente graves.

Referências:

Interim Guidelines for COVID-19 Antibody Testing. CDC, 2021. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/lab/resources/antibody-tests-guidelines.html#print .

Estudo aponta que leite materno tem anticorpos contra COVID-19. Disponível em: https://jr.jor.br/2021/04/18/estudo-aponta-que-leite-materno-tem-anticorpos-contra-a-covid-19/ .

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