Adaptado por Marianna Kunrath Lima 15/07/21
Está bem documentado que as vacinas para COVID-19 podem ter efeitos adversos substanciais; na verdade, o medo desses efeitos pode se aproximar do da própria infecção por SARS-CoV-2 para algumas pessoas. Portanto, quais são os efeitos adversos das vacinas de mRNA para COVID-19 – e como poderiam ser benéficos?
Na grande maioria dos casos, a queixa principal é uma combinação de febre, dor de cabeça, mialgia e mal-estar geral, afetando cerca de 60% das pessoas após a segunda dose das vacinas (dados para as vacinas de mRNA, da Pfizer e da Moderna). Esses sintomas podem ser preocupantes e têm sido assunto de comentários na imprensa, nas principais revistas científicas e nos grupos de Whatsapp. No entanto, além da vaga referência a uma resposta imune em andamento, a causa real dos efeitos adversos quase não recebeu atenção. Então, qual é a causa desses efeitos? A maioria dos sintomas provavelmente pode ser atribuída à produção exacerbada de um grupo de citocinas (proteínas que são secretadas por células mediante um estímulo e que afetam o comportamento das próprias células e de outras células) que desempenha um papel vital na potencialização dos estágios iniciais da resposta imune, os interferons do tipo I (IFN-I).
Os interferons do tipo I (IFN-I) são um grupo formado principalmente pelos interferons alfa (IFN-α) e beta (IFN-β). Os IFN-I, juntamente com o intimamente relacionado interferon do tipo III (IFN-III – IFN-λ), são produzidos logo após o contato com patógenos e têm efeitos antivirais poderosos, sendo que os IFN-I agem por todo o corpo e o IFN-III no sistema respiratório. Esses efeitos suprimem a replicação viral local, evitando a disseminação do vírus pelo organismo. Os IFN-I são produzidos principalmente por macrófagos e células dendríticas (DCs), e sua produção é induzida após estas células interagirem com padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs), expressos pelo patógeno viral ou bacteriano.
O receptor para IFN-I, IFNAR, é expresso por todas as células nucleadas, e o contato com seu ligante induz uma série complexa de eventos de sinalização intracelular que levam à produção de uma ampla gama de citocinas e outros mediadores que antagonizam o patógeno em questão. Em particular, a produção precoce de IFN-I é crucial para a produção de uma resposta imune ideal. O IFN-I induz a ativação de DCs e, portanto, permite que essas células apresentem antígenos para células T CD4+ e CD8+ virgens (células que nunca tiveram contato com o antígeno): as células CD4+ ativadas estimulam a produção de anticorpos específicos pelas células B, enquanto as células CD8+ se diferenciam em células efetoras citotóxicas. Além disso, o IFN-I tem um efeito estimulador direto sobre as células T, promovendo a expansão ótima dessas células e a formação de células de memória de longa duração, tanto para células T CD4+ quanto CD8+.
Até o momento, não há evidências diretas sobre a produção de IFN-I após a vacinação contra a infecção por SARS-CoV-2. No entanto, dado que outras vacinas de mRNA são conhecidas por serem indutoras poderosas de IFN-I, as vacinas da Pfizer e da Moderna provavelmente também são. Ao considerar essa questão, deve-se notar que o IFN-I tem sido usado terapeuticamente por muitos anos, atualmente para o tratamento das hepatites B e C e da esclerose múltipla. Nesses contextos, a injeção de IFN-I provoca o mesmo padrão proeminente de febre, dores de cabeça e fadiga que as vacinas de mRNA contra COVID-19 atuais. Dado que o IFN-I estimula a síntese de muitas citocinas e quimiocinas diferentes, quais desses efeitos a jusante são responsáveis pelos sintomas da administração de IFN-I (ou de vacinas de mRNA) ainda não está claro.
É altamente provável – embora não provado – que os efeitos colaterais das vacinas para COVID-19 sejam simplesmente um subproduto de um curto surto de geração de IFN-I, concomitante com a indução de uma resposta imune eficaz. Notavelmente, os efeitos colaterais variam consideravelmente de acordo com a idade e sexo do receptor da vacina, com efeitos mais graves em mulheres do que em homens e em pessoas mais jovens do que os idosos. O ponto a ser enfatizado aqui é a correlação com a produção típica de IFN-I, a geração de IFN-I é substancialmente mais forte em mulheres do que em homens e em pessoas mais jovens que mais velhas.
Sendo assim, a perspectiva de fadiga e dor de cabeça após a vacinação contra COVID-19 deve ser vista de forma positiva: como um prelúdio necessário para uma resposta imune eficaz. Os efeitos colaterais da vacinação quase sempre são leves e transitórios, e indicam apenas que a vacina está fazendo seu trabalho de estimular a produção de interferon, o imunoestimulador natural do corpo.
Adaptado de:
Jonathan Sprent, Cecile King. COVID-19 vaccine side effects: The positives about feeling bad. Science Immunology 22 Jun 2021:Vol. 6, Issue 60, eabj9256. DOI: 10.1126/sciimmunol.abj9256