Por Marianna Kunrath Lima 21/05/2021
Com o avanço global do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2; em inglês: Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2), também chamado de novo coronavírus, que causa a doença do coronavírus 2019 (COVID-19), cada vez mais evidências mostram que as pessoas assintomáticas seriam capazes de transmitir o vírus. Isto não era esperado por diversos especialistas, uma vez que o vírus SARS-CoV, “parente” do SARS-CoV-2, raramente possuía transmissões por assintomáticos ou pessoas com sintomas leves no surto de 2003.
A transmissão por pessoas infectadas, mas sem nenhum sintoma, pode surgir de dois estados de infecção diferentes: indivíduos pré-sintomáticos (infecciosos mesmo antes de desenvolver os sintomas) e indivíduos que nunca apresentam sintomas (infecciosos nunca sintomáticos). Os primeiros estudos de modelagem de dados para COVID-19 descobriram que o intervalo de geração (o tempo entre os eventos de infecção em um par infectante-infectado) de SARS-CoV-2 era menor do que o intervalo serial (o tempo entre o início dos sintomas em um par infectante-infectado), indicando que o tempo médio entre uma pessoa sendo infectada e aquela pessoa infectando outra era menor do que o tempo médio entre uma pessoa desenvolvendo sintomas e a pessoa infectada desenvolvendo sintomas. Esse achado significa que a epidemia está crescendo mais rápido do que seria esperado se a transmissão fosse limitada ao período da doença durante o qual os indivíduos são sintomáticos. Quando uma segunda geração de indivíduos está desenvolvendo os sintomas, uma terceira geração já está sendo infectada. Dados epidemiológicos do início da pandemia também sugeriram a possibilidade de transmissão pré-sintomática, e estudos laboratoriais confirmaram que os níveis de RNA viral nas secreções respiratórias já estavam elevados no momento do início dos sintomas.
Determinar a porcentagem de indivíduos assintomáticos na população, bem como a taxa de transmissibilidade desses indivíduos, é uma tarefa árdua, uma vez que os estudos teriam que ser muito abrangentes, com amostragens gigantescas (o que demandaria um orçamento altíssimo para a pesquisa). Porém, definir a proporção de transmissão de SARS-CoV-2 que ocorre de pessoas sem sintomas é fundamental para priorizar práticas e políticas de controle, uma vez que medidas de contenção tornaram-se muitas vezes controversas e politizadas, além de possuírem impactos econômicos e sociais. Por isso a modelagem de dados se mostrou uma aliada para esses cálculos.
O estudo de Johansson e colaboradores (2021), por exemplo, elaborou um modelo analítico que avaliou a quantidade relativa de transmissão de indivíduos pré-sintomáticos, nunca sintomáticos e sintomáticos em uma série de cenários. Dentre os resultados, foi observado que 30% dos indivíduos com infecção nunca desenvolvem sintomas e são 75% tão infecciosos quanto aqueles que os desenvolvem. Além disso, pelo menos 50% da transmissão total foi estimada como tendo ocorrido em pessoas sem sintomas. Esta proporção geral de transmissão de indivíduos pré-sintomáticos e nunca sintomáticos é chave para implementar medidas de mitigação que podem ser capazes de controlar a SARS-CoV-2.
Sendo assim, o uso de máscaras por pessoas que não compartilham a mesma casa, distanciamento social e higienização das mãos continuam sendo medidas essenciais para a contenção da propagação de SARS-CoV-2. A testagem de pessoas, mesmo não apresentando sintomas, que tiveram contato com indivíduos sabidamente infectados, também mostra-se como uma boa estratégia para impedir a transmissão por assintomáticos.
Referência:
Johansson, M.A., et al. SARS-CoV-2 Transmission From People Without COVID-19 Symptoms. JAMA Network Open. 2021;4(1):e2035057. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.35057.