Por Patrícia Machado Pinto 22/07/21
Desde o surgimento e identificação da COVID-19 há mais de um ano e meio, o enorme volume de conhecimento científico produzido e divulgado é inédito e constitui um desafio para as entidades responsáveis por definir as estratégias de enfrentamento à pandemia, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), na seleção de informações confiáveis. Decisões precipitadas ou tardias podem impactar a vida e a morte de milhões de pessoas no mundo todo. A via de transmissão da COVID-19 é um exemplo bastante significativo disso. Recentemente, essas entidades passaram a reconhecer a importância da transmissão aérea de SARS-CoV-2, que vinha sendo defendida como a principal via de disseminação da infecção por diversos grupos de pesquisa em aerossóis, porém, a orientação sobre vias de transmissão por gotículas e através de superfícies contaminadas ainda são consideradas vias importantes de contaminação. Essa questão impacta em muitas decisões sobre o funcionamento de escolas, comércio, transportes, consultórios etc. Além da via de transmissão, outras questões importantes estão relacionadas à transmissibilidade de COVID-19, como a relação entre a carga viral de SARS-CoV-2 e o risco de progressão da doença, que permanece sob vários aspectos indefinida. Embora a doença tenha afetado quase 200 milhões de pessoas em todo o mundo, amplas lacunas permanecem abertas em relação à patogênese, incluindo a relação entre os níveis de replicação viral e a gravidade da doença.
Um fator importante na transmissibilidade do COVID-19 é a alta carga viral no trato respiratório superior, mesmo entre pacientes pré-sintomáticos, que o distingue de outras doenças respiratórias. O período de incubação da COVID-19, isto é, o tempo decorrido entre a exposição ao vírus e o início dos sintomas, é em média de 5 dias, com variação de 2 até 14 dias. A transmissibilidade pode ocorrer até 14 dias após o aparecimento dos sintomas, entretanto, dados preliminares apontam que a transmissão do novo coronavírus parece ser maior no início da doença, ou seja, nos primeiros três dias desde o início dos sintomas, em comparação às fases mais tardias. Há relatos sobre a transmissão pré-sintomática da doença, sugerindo que é possível que as pessoas infectadas transmitam o vírus ainda antes de desenvolverem a sintomatologia. Um estudo realizado pelo CDC dos Estados Unidos, monitorando 157 pessoas, demonstrou que 6,4% haviam sido infectadas por pacientes pré-sintomáticos (1 a 3 dias antes de apresentarem sintomas). Novas evidências têm apontado ainda que muitas pessoas infectadas podem ser completamente assintomáticas, mas ainda assim ter a capacidade de transmitir o vírus, o que poderia explicar a disseminação rápida e em larga escala do patógeno.
Estudos têm demonstrado que os assintomáticos podem ter sido responsáveis por grande parte das transmissões, contudo, o tempo pelo qual os portadores assintomáticos do SARS-CoV-2 poderiam transmiti-lo ainda não está elucidado. Entre os portadores assintomáticos, especialmente crianças, foi difícil determinar se a carga viral poderia impactar a transmissão, porque nenhum portador tinha uma carga viral alta.
Estudos adicionais, não somente limitados aos tratos respiratório e gastrointestinal, mas se estendendo ao sangue, têm sido realizados. Embora a insuficiência respiratória seja a principal causa de morte em pacientes com COVID-19, outras complicações decorrentes da chamada tempestade de citocinas inflamatórias, fenômeno da estimulação exagerada das células imunes, podem ocorrer. Essa hiper inflamação faz com que a defesa imune deixe de ser algo positivo e traga mais danos do que benefícios ao doente.
Estudos foram capazes de detectar uma maior prevalência de cargas virais de SARS-CoV-2 principalmente no plasma de pacientes hospitalizados e foi geralmente associada ao aumento da gravidade da doença respiratória e relatam ainda que foi encontrada pouca correlação entre as cargas virais do trato respiratório e as do plasma. Isso destaca a necessidade de estudos adicionais para avaliar se esses sistemas podem servir como locais distintos de replicação viral e se os medicamentos antivirais podem ter efeitos diferenciais na eliminação viral do trato respiratório versus viremia plasmática.
Os níveis de viremia de SARS-CoV-2 também foram associados com marcadores de inflamação e gravidade da doença, incluindo baixa contagem de linfócitos e níveis elevados de CRP (Proteína C Reativa) e IL-6. Há evidências de que o SARS-CoV-2 também pode diretamente infectar células endoteliais. A enzima conversora de angiotensina 2 é o receptor primário para SARS-CoV-2 e pode ser encontrada em ambas as células endoteliais arteriais e venosas.
A reação em cadeia de polimerase em tempo real (RT-PCR) é indicada para pacientes sintomáticos na fase aguda, sendo o melhor momento de coleta da secreção nasofaringe e/ou orofaringe entre o terceiro e sétimo dia do início dos sintomas. Em alguns indivíduos, o RT-PCR pode permanecer detectável por longos períodos, até 2 a 6 semanas, porém na maior parte das vezes, representam material genético inativo, sem importância na transmissão. Os testes sorológicos são capazes de detectar os níveis de anticorpos IgM, IgA e IgG. A presença de IgM ou IgA indicam infecção aguda e IgG positivo indica contato prévio com o SARS-CoV-2 e pode estar relacionado à imunidade contra o vírus. Não sabemos se a infecção confere imunidade neutralizante e duradoura. Assim, mesmo pessoas com IgG positivo devem continuar com as medidas de controle já preconizadas.
A experiência dos países mais afetados mostrou que as medidas de isolamento horizontal representam a forma mais efetiva de evitar o colapso do sistema hospitalar, ainda que as atuais evidências apontem que para o isolamento social horizontal existe uma tensão do setor econômico que coloca em dúvida tal decisão com argumentos de cenários futuros catastróficos sob o ponto de vista econômico e social. Desta forma, conclui-se que os governos devem implementar medidas de distanciamento social aliadas a medidas de recuperação econômica e proteção social ampla para a população como um todo para garantir a sustentabilidade dessas medidas.
Para ser efetivo, o isolamento dos doentes requer que a detecção dos casos seja precoce e que a transmissibilidade viral daqueles assintomáticos seja muito baixa. No caso da COVID-19, em que existe um maior período de incubação, se comparado a outras viroses, a alta transmissibilidade da doença por assintomáticos limita a efetividade do isolamento de casos, como única ou principal medida. Dessa forma, a aplicação massiva de testes diagnósticos, que permite a identificação dos indivíduos infectados, como adotado na Alemanha e na Coreia do Sul, é essencial para a efetividade do isolamento.
Outro fator a se considerar na transmissibilidade são as variantes emergentes do SARS-CoV-2 (quer saber mais sobres as variantes? Acesse o texto no blog – SARS-CoV-2: O que sabemos sobre as variantes? – Target Medicina de Precisão – Blog (tgt.life)). Tendo em vista o surgimento de variantes com potencial de maior risco para a saúde, a OMS as caracterizou como Variantes de Preocupação (VOC) e Variantes de Interesse (VOI). A linhagem Delta relatada na Índia foi designada como Variante de Preocupação (VOC) considerando a sua transmissibilidade. Desde a declaração de emergência em saúde pública de importância internacional pela OMS em decorrência da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), prevê recomendação de restrição excepcional e temporária de entrada no País, por motivos sanitários relacionados com os riscos de contaminação e disseminação da doença (COVID-19) considerando o cenário epidemiológico das novas variantes do SARS-CoV-2. Além da variante Delta existem mais 3 variantes (Alfa, Beta e Gama) de preocupação (VOC) reconhecidas pela OMS, desta forma, as recomendações de medidas sanitárias são direcionadas a entrada de estrangeiros de qualquer nacionalidade por rodovias, por outros meios terrestres ou por transporte aquaviário.
É recomendada vigilância ativa nas entradas do Brasil de viajantes com origem ou histórico de passagem pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, pela República da África do Sul e pela República da Índia, e dos países que já descrevem a circulação da VOC indiana, bem como as demais VOC, com o intuito de evitar a possibilidade de contaminação e transmissão.
Entre as medidas indicadas pelo Ministério da Saúde, estão as não farmacológicas, como distanciamento social, higienização das mãos, uso de máscaras, limpeza e desinfeção de ambientes e isolamento de casos suspeitos e confirmados conforme orientações médicas. É fundamental que estas medidas sejam utilizadas de forma integrada, a fim de controlar a transmissão da COVID-19 e suas variantes, permitindo também a retomada gradual das atividades desenvolvidas pelos vários setores e o retorno seguro do convívio social.
Referências:
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