Tratamento da COVID-19: Estratégias de desenvolvimento

Por Patrícia Machado Pinto 12/11/21

Como consequência da emergência mundial em saúde pública provocada pela COVID-19, em 2020, foi iniciada uma intensa busca por intervenções eficazes de tratamento e prevenção da doença que resultaram no desenvolvimento de vacinas que entraram em uso em todo o mundo numa velocidade surpreendente. O desenvolvimento de tratamento para os doentes, entretanto, não se mostrou tão rápido e eficaz. Diferentes estratégias têm sido aplicadas para a descoberta de tratamento dessa doença, que ainda não é completamente entendida. Inicialmente o reposicionamento de fármacos, que é a testagem de medicamentos em uso regular para outras doenças sendo usados contra covid, tem como meta encurtar o tempo de desenvolvimento de um novo fármaco até sua chegada ao mercado e reduzir custos, porém, até agora, não resultou em qualquer tratamento efetivo contra a COVID-19. Entre os exemplos de fármacos testados, é possível destacar a hidroxicloroquina (HCQ), cloroquina (CQ), ivermectina (Iv), nitazoxanida (NZ), inibidores de HIV protease (iopinavir/ritonavir e darunavir), inibidores da RNA polimerase (ribavirina, remdesivir, favipiravir), inibidor de fusão (arbidol), indutor de interferon (nitazoxadina), inibidor de TMPRSS2 (mesilato camostato), anticorpos monoclonais anti-IL-6 (tocilizumab, sarilumab), entre outros. Diversos estudos clínicos estão sendo conduzidos e os resultados parciais, publicados.

Diante de observações preliminares sobre uma possível atividade antiviral direta ou indireta observada in vitro e in vivo, drogas como a HCQ, NZ e Iv, tornaram-se populares, inclusive com uso sem indicação médica. A OMS (Organização Mundial da Saúde) não recomenda tais drogas para prevenir ou tratar COVID-19, pois em diferentes estudos independentes não se observou efeito preventivo contra o agravamento, melhora no quadro dos doentes, nem redução da mortalidade. Logo, não há base científica para apoiar o uso em pacientes infectados com SARS-CoV-2. No entanto, a HCQ e a CQ são seguras para uso em pacientes com doenças autoimunes ou malária (não COVID-19). A gravidade da pandemia e a falta de recursos farmacêuticos levaram ao aumento do uso, sem confirmação de eficácia, destes medicamentos, acarretando desabastecimento para os pacientes cronicamente dependentes, além do surgimento de efeitos adversos graves em pacientes de COVID-19, como arritmia cardíaca e danos renais.

Com o entendimento da estrutura dos coronavírus foram identificadas suas proteínas estruturais mais importantes, entre elas a proteína S, da espícula (spike), cuja função forneceu a base teórica para a busca de intervenções que contivessem a propagação do vírus.  A infecção por SARS-CoV-2 se inicia no reconhecimento da proteína da espícula, por receptores celulares humanos. A interação da proteína S com a enzima conversora de angiotensina do tipo 2 (ECA2) da membrana celular promove o processo de fusão, permitindo a entrada dos vírus nas células. Compostos capazes de inibir essa interação impedem o processo de fusão, e consequentemente, bloqueiam a invasão viral (para entender com mais detalhes,  leia o texto no nosso blog: https://tgt.life/blog/2021/09/10/cientistas-descobrem-uma-maneira-de-interromper-a-dinamica-de-invasao-celular-do-sars-cov-2-e-impedir-a-transmissao-da-covid-19/). Processo análogo ao promovido pelo fármaco antiviral arbidol, aprovado na Rússia e China para tratamento de gripe causado pelo vírus influenza. 

Outra possibilidade para impedir a invasão de vírus nas células são os inibidores de TMRPSS2 (serino protease de transmembrana do tipo 2), uma protease humana que participa da entrada do vírus nas células, porém os mecanismos de interação com SARS-CoV-2 ainda estão em estudo. O fármaco mesilato de camostato, aprovado no Japão para tratamento de pancreatite, foi identificado em estudos de inibição de TMRPSS2 in vitro. Desta forma, futuros estudos irão avaliar a capacidade de inibidores de TMRPSS2 em atuarem frente à COVID-19.

As proteases são fundamentais para o ciclo de replicação dos coronavírus e constituem um alvo promissor para o desenvolvimento de novos fármacos antivirais, como  o anúncio recente da Pfizer de dados animadores sobre testes com o fármaco Paxlovid em pacientes não vacinados com alto  risco de agravamento da doença. O início do tratamento no terceiro dia do surgimento  dos sintomas resultou em redução de 7% para 0,8% nos casos de hospitalização e em nenhum caso de óbito. Já na estratégia de reposicionamento de fármacos, alguns inibidores de protease de HIV, como a combinação lopianvir/ritonavir e darunavir, foram avaliados quanto à possibilidade de atuarem inibindo a protease principal dos coronavírus.

A imunidade inata do hospedeiro é fundamental para o controle da replicação viral. A resposta imune gerada por interferons (IFN) pode ser aumentada com o uso de moléculas sintéticas, como os INF-α e β ou fármacos que induzem a produção dessas citocinas, como o antiparasitário NZ, que tem ação antiviral de largo espectro. Uma das estratégias avaliadas para o tratamento de infecções por SARS-CoV e MERS-CoV foi o uso de antivirais como ribavirina e lopianvir/ritonavir combinados com INF-α ou β, o que ainda requer maior investigação quanto aos reais benefícios dessa abordagem. Além das intervenções cujo alvo são proteínas virais, algumas possibilidades de tratamento para COVID-19 visando controle de processos regulados no hospedeiro parecem promissores, como o uso de agentes anti-inflamatórios e anticoagulantes que controlam os danos causados pela chamada tempestade de citocinas, que é o descontrole da resposta inflamatória desencadeada pela infecção, e está fortemente associada ao agravamento e óbito em COVID-19.

As RNA polimerases dependentes de RNA são enzimas virais que atuam na replicação de RNA e foram identificadas como outras possíveis alternativas no tratamento da COVID-19. Ribavirina, remdesivir e favipiravir são exemplos de fármacos que atuam como inibidores dessas enzimas. Do mesmo modo que inibidores de protease e inibidores de fusão, nenhum inibidor de RNA polimerase dependente de RNA foi aprovado pela OMS para o tratamento de COVID-19 até o presente momento, porém, o remdesivir obteve liberação inédita do FDA para tratamento de pacientes com COVID-19. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), liberou o medicamento, exclusivamente, para uso hospitalar em pacientes com pneumonia, com suplementação de oxigênio. Logo, o remdesivir recebeu a aprovação do FDA, mas não a recomendação da OMS.

A dexametasona, anti-inflamatório da classe dos corticóides, é considerada a única droga que realmente mudou o quadro de pacientes de COVID-19 até agora, em comparação com todas as drogas testadas, atuando na mediação da resposta imune de paciente graves com necessidade de oxigenação auxiliar. 

Dentro de uma estratégia bastante conhecida, o Instituto Butantan foi autorizado pela Anvisa a testar em humanos o soro anticovid (contra uma fração da proteína spike do coronavírus), desenvolvido a partir do plasma de cavalos, rico em anticorpos, que tem o objetivo de frear o agravamento da doença, impedindo que ela ataque os pulmões. Na mesma linha de uso de anticorpos, outra possibilidade terapêutica é a transferência de plasma convalescente, fundamentada na presença de anticorpos específicos e neutralizantes contra o SARS-CoV-2, obtido de pessoas previamente infectadas que se recuperaram da COVID-19, sendo esses anticorpos transferidos para pacientes com infecção ativa em andamento. Tal tratamento apresenta incertezas na sua utilização, sendo necessários mais estudos para viabilizar seu uso.

Novas abordagens estão sendo adotadas atualmente para desenvolvimento de fármacos contra SARC-CoV-2, como a triagem virtual sistemática/randômica em alta escala (HTVS), que poderia ser utilizada para simulações in silico da interação de diferentes fármacos com o SARS-CoV-2. Após o sequenciamento do genoma viral e a identificação das principais estruturas necessárias à viabilidade do vírus, potenciais alvos terapêuticos foram identificados. O planejamento de novos fármacos baseado na seleção de alvos moleculares utiliza técnicas computacionais e biofísicas na identificação de ligantes. Estes ligantes, de origem sintética ou natural, depois de avaliados podem ser otimizados por meio das estratégias de modificação molecular que resultem em segurança e eficácia desejáveis do tratamento.

O estudo com células tronco para o tratamento da COVID-19 é apontado como um caminho promissor para a reversão da síndrome de angústia respiratória. A Anvisa aprovou um estudo clínico de terapia celular avançada para tratamento de pacientes com pneumonia viral em decorrência da COVID-19. Trata-se de um produto à base de células-tronco que visa avaliar a segurança no tratamento de pacientes com pneumonia.

As farmacêuticas MSD (Merck, Sharp & Dohme) e Ridgeback Biotherapeutics apresentaram resultados preliminares de um ensaio clínico com o antiviral oral molnupiravir, que inibe a replicação de vírus de RNA como o SARS-CoV-2, e SARS-CoV-1, com bons resultados em laboratório, através da introdução de erros de cópia durante a replicação do RNA viral. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fará parte de um estudo clínico multicêntrico, de fase 3, com o objetivo de verificar sua eficiência em evitar a propagação e transmissão da COVID-19 entre pessoas expostas ao coronavírus.

A necessidade de conter a pandemia de COVID-19 estabeleceu um marco na ciência mundial, a resposta dos cientistas e da indústria farmacêutica foi muito rápida, contamos atualmente com diversas e promissoras vacinas em uso, e muitas outras em diferentes estágios de desenvolvimento. Vacinas são componentes cruciais de controle da transmissão da doença. A COVID-19 é a sexta doença da história a ser declarada como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESP), com quase 606 mil óbitos somente no Brasil e mais de 5 milhões oficialmente a nível global, com estimativas de que o número real de mortes chegue a 16,5 milhões. Diante disso, a pandemia causada pela COVID-19, teve e segue tendo graves implicações de natureza sanitária, econômica, social, política, atingindo simultaneamente o mundo todo, cujas consequências a humanidade levará muitas décadas para reverter. 

Embora movimentos contrários às imunizações existam desde a origem das vacinas, o movimento anti-vacina é um assunto cada vez mais presente na mídia internacional, e vem ganhando mais força e visibilidade. No Brasil tem contribuído, junto a outros fatores, para a redução da cobertura vacinal de crianças, o que enfraquece a rede de proteção contra doenças anteriormente controladas, resultando no ressurgimento de casos. Porém, o expressivo índice de vacinação contra COVID-19 no Brasil, apesar dos atrasos na aquisição de imunizantes, surpreende mundialmente e pode significar a retomada da consciência popular sobre a importância da vacinação.

Referências:

WHO.https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/

OPAS. Organização Pan-Americana de Saúde. Histórico da pandemia da COVID-19. https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19

DE  WIT,  E.  et  al.  SARS  and  MERS:  recent  insights into    emerging    coronaviruses. Nat. Rev. Microbiol, v. 14 (8), p. 523-534, 2016. doi: 10.1038/nrmicro.2016.81

Análise de tratamentos profiláticos para a COVID-19: uma revisão integrativa. Analysis of prophylactic treatments for COVID-19: an integrative review. Revista Eletrônica Acervo Saúde | ISSN 2178-2091 REAS | Vol. 13(5) |DOI:https://doi.org/10.25248/REAS.e7167.2021

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