Tuberculose: histórico e diagnóstico

Por Patrícia Machado Pinto 24/09/21

Essa antiga doença está entre nós há pelo menos 7 mil anos, segundo registros paleontológicos, e por conta dessa longa interação, tem interferido nos mais diversos aspectos da civilização humana. Por ter vitimado além de pessoas do povo, artistas, políticos, reis, intelectuais, cientistas etc., teve impacto não apenas no desenvolvimento científico, mas também nas artes, arquitetura e política. Ainda que tenha sido romantizada nas artes, criando um padrão de beleza feminino de magreza, palidez e fragilidade, a tuberculose foi responsável pelo assustador número de 1,5 bilhão de mortes entre 1850 e 1950! 

Até o desenvolvimento de antibióticos na década de 1940, diferentes estratégias de prevenção do contágio foram adotadas. As mais notáveis, e que nos dias de hoje ainda chamam atenção, são relativas ao movimento minimalista de arquitetura. Casas brancas, elevadas do solo, com janelas amplas, varandas, que favorecem a circulação de ar e a entrada da luz do sol, e internamente com menos mobiliário, sem cortinas pesadas e com móveis de fácil limpeza, refletem essas mudanças, além das incríveis escolas ao ar livre, ou escolas anti-tuberculose.

Atualmente, apesar da existência de antibióticos eficazes e do conhecimento sobre sua transmissão, a tuberculose (TB) ainda é uma das principais causas de morte por infecção em todo o mundo. Cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem de tuberculose a cada ano, sendo a principal causa de morte de pessoas com HIV. Em função do longo tempo de tratamento, o frequente abandono pelos pacientes faz da TB uma das principais doenças envolvidas na indução de resistência antimicrobiana. Dados da OMS de 2019 indicam que aproximadamente 30% dos 10 milhões de casos surgidos no mundo naquele ano não foram diagnosticados nem oficialmente reportados. Além disso, a demora na busca por atendimento médico e erros no diagnóstico retardam o início do tratamento.

A tuberculose é uma doença infectocontagiosa de transmissão aérea que afeta os pulmões, é causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, e tem grande importância em saúde pública mundialmente, podendo ser de extrema gravidade para pessoas imunossuprimidas. O agente causador da TB é contido nos tecidos de pessoas infectadas em granulomas (nódulo inflamatório formado para eliminar “agentes estranhos”), podendo persistir, em forma latente, por décadas, sem desencadear a doença. A imunodepressão, seja devido ao precário estado de saúde do indivíduo, infecção pelo HIV, ou uso de drogas imunossupressoras, é a causa de reativação da TB.

Os fatores determinantes para o controle desta doença incluem diagnóstico, tratamento precoce, tratamento da infecção latente dos contatos e vacinação com BCG (Bacillus Calmette–Guérin). Esses fatores são essenciais para reduzir a morbidade e mortalidade por TB e também evitar futuras transmissões. A vacina BCG é atualmente a única licenciada para TB e induz proteção moderada contra as formas graves em crianças. Ela foi amplamente disponibilizada em todos os países por meio de programas de imunização e desempenhou um papel vital em salvar muitas vidas jovens prevenindo manifestações graves da doença. De acordo com a OMS, a vacina necessita ser aperfeiçoada e mais protetora do que a atual. Apesar dos contínuos esforços para se desenvolver novas vacinas contra a TB, ainda não existe uma vacina eficaz para a proteção de adultos, antes ou depois da exposição. O combate a essa doença não se esgota com a prevenção do contágio, uma vez que evitar a progressão para a doença ativa em mais de 2 bilhões de infectados no mundo segue sendo um grande desafio para a ciência no desenvolvimento de sistemas de diagnóstico e tratamento mais efetivos.

Comparando com os rápidos avanços feitos no desenvolvimento e implantação de vacinas seguras e eficazes para COVID-19, fica claro que o compromisso político apoiado por investimentos maciços em pesquisa pode levar a um acesso mais rápido a vacinas que salvam vidas. A pandemia de COVID-19 quebrou paradigmas antigos sobre desenvolvimento de produtos de uso médico, de modo que com apoio e financiamento claramente não precisamos esperar por décadas para termos novas vacinas e medicamentos para poder mudar o jogo e aliviar o sofrimento e as mortes causadas a milhões devido à tuberculose – que continua sendo um dos principais assassinos infecciosos do mundo. 

Os métodos de diagnóstico atualmente usados, como a baciloscopia, a cultura microbiológica, a radiografia de tórax, e o teste de triagem intradérmico com o derivado protéico purificado (Purified Protein Derivative, PPD, em inglês), ou teste tuberculínico, não têm tido o sucesso desejado para diminuir a incidência da TB de forma significativa. O método radiológico passou a ter ainda mais valor com o advento da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR). No entanto, dispomos de alternativas que permitem reduzir o tempo para liberação do resultado, por exemplo, metodologias como MIGIT (mycobacterium growth indicator tube), um sistema para detecção de micobactérias, não radiométrico, totalmente automatizado, e a reação em cadeia da polimerase (PCR), incluindo o diagnóstico de resistência bacteriana, para a definição terapêutica. Considerando a complexidade e o custo, a PCR é, dentre os novos métodos diagnósticos, o mais promissor. Sua sensibilidade e sua especificidade são próximas a 100% e os resultados são conhecidos em até 2 horas após a extração do DNA. Um outro conjunto de técnicas moleculares que vem sendo empregado em alguns centros envolve a “impressão digital do DNA” (restriction fragment length polymorphism – RFLP). Baseado na sequência de inserção IS6110 presente no M. tuberculosis, este método é usado para diferenciar cepas da micobactéria, permitindo monitorar a transmissão, definir clusters (grupos) de cepas em determinados grupamentos populacionais, diferenciar a reinfecção endógena e exógena, avaliar recidiva, identificar contaminação cruzada em laboratórios, estudar a evolução molecular das espécies e compreender melhor a patogênese da doença.

Na maioria dos casos, o diagnóstico da tuberculose depende de uma combinação adequada de diferentes métodos. É extremamente importante que os profissionais da saúde saibam quando aplicar cada um dos métodos de identificação, suas vantagens e limitações. Dessa forma, com um diagnóstico correto e rápido, o paciente pode rapidamente iniciar o tratamento, podendo curar-se completamente. O diagnóstico convencional é feito através de baciloscopia e cultura do microrganismo, seguido de uma bateria de provas bioquímicas para a identificação da espécie causadora da infecção. Porém, estas técnicas apresentam baixas sensibilidade e especificidade e um alto tempo para a liberação dos resultados (até 60 dias). Portanto, a importância da detecção precoce do bacilo é fundamental para o bloqueio da cadeia de transmissão da TB e o controle dos surtos pós-cirúrgicos relacionados às micobactérias não tuberculosas. A identificação rápida e específica destes microrganismos é importante para o diagnóstico e a consequente escolha do tipo de tratamento do paciente. 

O Brasil integra a lista dos 30 países que concentram 90% de todos os casos de tuberculose no mundo. Há 5 anos, o Governo Federal lançou o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose até 2035, que visa analisar os indicadores epidemiológicos e operacionais para o controle da tuberculose, bem como a tendência e prospecção dos coeficientes de incidência e de mortalidade por tuberculose no Brasil. O governo reconhece, no entanto, que para o cumprimento adequado desse desafio são necessárias melhorias da qualidade do serviço prestado aos pacientes com tuberculose, garantindo-lhes o direito à prevenção, ao diagnóstico correto e oportuno da doença e ao tratamento adequado e humanizado.

Referências:

  1. https://www.who.int/health-topics/tuberculosis#tab=tab_1
  2. https://super.abril.com.br/saude/as-grandes-epidemias-ao-longo-da-historia/
  3. http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-460X1999000200002
  4. https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/24/2016-009-Tuberculose-001.pdf

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